Um Amor de pai por sua eterna menininha.
- May Araújo Schuhart
- 23 de abr. de 2019
- 4 min de leitura

Era julho de 1990.
Uma manhã gelada era o prenúncio de um inverno severo na cidade mais alemã do Brasil.
Na sala de espera do Hospital, um jovem esperava ansioso o nascimento da primeira filha.
Às 09h15min um choro ecoou pelo corredor, tinha nascido.
O Médico da família imediatamente trouxe o pacotinho de amor para ver o pai.
Aquele jovem com os cabelos negros, pele queimada de sol e mãos calejadas do serviço pesado na obra, dono de um bigode imenso, pôde segurar em seus braços aquela menininha, branquinha feito à neve, com olhos grandes e escuros, e com um beiço do tamanho do mundo.
Eu não sei o que os bebês sentem no momento exato em que encontram os pais, se é que eles sabem distinguir aquele instante. Mas, acredito que se eu tivesse sentido algo, se compararia ao que sinto hoje, todas as vezes que meu pai entra pela porta: um amor que transborda.
Acredito que foi aquele instante que me tornou a menininha do papai.
Minha avó materna costumava dizer que se naquele momento colocassem um bigode naquele neném, ele seria a cópia em miniatura daquele pai.
Hoje, aos quase 30, continuo sendo a menininha do meu pai.
Mas o texto de hoje, não é pra falar especificamente de mim. E sim do meu pai.
Meus pais assumiram muito jovens a responsabilidade de criar uma filha.
Sem muito dinheiro e com muito esforço.
Minha mãe cuidava de mim em tempo integral e meu pai trabalhava muito.
Meu pai praticamente abriu mão de ver crescer para me dar tudo que eu podia ter de melhor. Trabalhava longe de casa, dormindo em barraco de obra e vindo pra casa aos fins de semana para nos ver.
Eu honrei esse esforço, sempre fui boa aluna.
Meu pai sempre frisou que eu faria o que ele não fez.
E meus diplomas na parede foram construídos tijolinhos por tijolinhos, pelas mãos calejadas, ombros cansados, pele queimada e muito cansaço de um pedreiro.
Mas a menininha do papai, a filha do pedreiro conseguiu uma Graduação e uma pós.
Mas, mais do que títulos, a menininha descobriu o verdadeiro valor do amor, do esforço, e aprendeu a ter orgulho de sair agarrada no braço de um pai, cujas roupas estavam sujas de cimento.
Sempre me orgulhei da minha origem, me orgulho de tudo que o esforço do meu pai me permitiu conquistar.
Todas às vezes, que eu saio na rua e vejo algum homem, com as calças sujas de cimento, carregando um filho pequeno na garupa da bicicleta, eu não consigo conter as lágrimas. Ali está um retrato de amor de um pai, está o retrato de todo um esforço que meu pai fez por mim, uma vida inteira.
Além disso, meu pai fez por mim algo que não custa nenhum dinheiro, mas que fez toda a diferença em quem eu me tornei ao longo da minha existência, ele me ensinou algumas lições valiosas.
Lições que todas as meninas deveriam aprender em casa e que tornariam o mundo um lugar melhor, principalmente se fossem ensinadas pelo pai.
São elas:
1- Estude muito! Estude ao ponto de ser capaz de ter uma carreira e ser dona do seu próprio caminho e destino. Estude ao ponto de não precisar depender de ninguém.
2- Não procure alguém para te completar. Seja completa em todos os sentidos e então encontre alguém que te transborde.
3- Encontre alguém que tenha os mesmos valores e projetos que você.
4- Encontre alguém que dê o valor que você merece ter.
5- Nunca aceite migalhas. Veja a mulher que você é, e se dê o valor que você tem. Isso não é feminismo, é saber qual é o seu lugar no mundo, e sempre lutar para alcançá-lo.
6- Criei você como minha princesinha, nunca aceite menos que isso de ninguém.
7- Tenha coragem. Persiga seus sonhos. Seja gentil.
8- Sempre procure suas respostas em Deus.
9- Não esqueça quem você é, qual sua origem, suas batalhas e seus esforços.
10- Seja feliz, mas seja firme.
São lições lindas, que não me deixaram titubear na maior parte do meu caminho. Palavras que me fortaleceram. Pilares na minha caminhada.
Quando eu adoeci, sua postura sempre foi muito direta: “Não perca a fé, não desista do caminho.”
Meu pai me fortaleceu acreditando em mim.
Meu pai é o maior exemplo que eu conheço.
É minha inspiração de honestidade, bondade, verdade e determinação. Mas, acima de tudo, meu exemplo de paciência.
Hoje, aos quase 30 anos, eu ainda sou a menininha do meu pai.
Eu sempre vou ser "a nega" pra quem ele compra chocolate ou faz feijão no meio da tarde porque eu queria muito comer feijão.
Eu sempre penso em todo o esforço que ele já fez por mim.
E também para que me tornasse a mulher que me tornei ao longo dessa vida. Pela minha fé, às vezes cambaleante, mas sempre determinada. Pela vontade em dar sempre o melhor de mim para as pessoas.
Eu sou falha em muitos aspectos. Talvez um dia, eu possa ser um pouquinho do exemplo de fé, bondade, resiliência, determinação e bom humor que ele é.
Estou nos primeiros passos, mas ele ainda continua segurando a minha mão, como quando eu aprendi a andar. E me corrige.
Existe muita doçura no amor do meu pai.
Há uma correção amorosa e pacífica, quando cometo erros ou faço pequenos desvios no caminho.
Não acredito que possa mensurar ou descrever de uma forma compreensível o tamanho do orgulho e amor que existe dentro do meu coração.
Eu fui privilegiada por uma casa cheia de amor.
Escureceu e está anoitecendo.
Como todos os dias ao anoitecer, eu vou descer aquelas escadas.
Meu pai vai estar no sofá assistindo algum jornal, e ele vai sorrir e vai dizer: “Ooo neguinha do pai, tu veio me ver, é?”
Eu vou me jogar em cima dos dois no sofá e meu coração vai transbordar em um abraço de urso.
Espere aí, alguém acabou de bater na porta.
Era meu pai. Subiu as escadas devagar.
Tinha um pote imenso de abacate com canela e açúcar para mim. É ou não é muito amor?
E eu sempre vou ser a menininha do papai!

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